Cesarianas eletivas no Brasil: exercício ou negação da autonomia das pacientes?

Autores

  • Ana Clara Matias Brasileiro UFMG
  • Fernanda Araujo Pereira UFMG

DOI:

https://doi.org/10.46274/1909-192XRICP2021v6n1p185-221

Palavras-chave:

cesariana eletiva, autonomia, consentimento, dever de esclarecimento, assistência obstétrica

Resumo

Este artigo pretende discutir como circunstâncias relativas à eleição de cesarianas têm implicâncias nos processos de afirmação ou de negação da autonomia de gestantes e parturientes, considerando as concepções de autonomia e respeito à autonomia dos/as pacientes desenvolvidas por Siqueira e Greco e o seu tratamento na dogmática penal. Como pano de fundo, realiza-se uma análise da Lei Estadual n.º 17.137/2019, de São Paulo. Apontam-se as relações entre mudanças históricas na assistência ao parto e ao nascimento com altas taxas de cesáreas no país; a partir de dados secundários, analisam-se os processos de tomada de decisão pelas cesarianas eletivas, face ao paradigma de assistência médica pautado pelo respeito à autonomia. Discute-se o tratamento dogmático dessas ideias pela figura do consentimento, considerando seus efeitos na tipificação de intervenções médicas, atentando-se ao dever de esclarecimento por profissionais de saúde. O resultado é a compreensão do modo com que as mulheres elegem as cesáreas no Brasil como tendente à negação da autonomia dessas pacientes, na maioria dos casos. Problematiza-se, então, a referida Lei por inviabilizar melhores condições para a tomada de decisões autônomas por gestantes e por parturientes e indica-se a importância de criticá-la atentando ao respeito à autonomia das pacientes.

Referências

BARA MAIA, Mônica. Humanização do parto: política pública, comportamento organizacional e ethos profissional na rede hospitalar pública e privada de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado (Ciências Sociais), Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Belo Horizonte, 2008.

BARBOSA, Gisele Peixoto et al. Cesarean sections: who wants them and under what circumstances? Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 6, p. 1611–1620, dez. 2003.

BOERMA, Ties et al. Global epidemiology of use of and disparities in cesarean sections. The Lancet, vol. 392, n.º 10155, p. 1341-8, 13 out. 2018. DOI: . Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Microdados do Sistema Informação sobre Nascidos Vivos. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def>. Acesso em: 25 fev. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <https://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/ atencao-basica/rede-cegonha/informacoes-importantes-1/10404-relatorio-diretriz-partonormal-recomendacao/file>. Acesso em: 25 fev. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 569, de 01.º de junho de 2000. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 01 jun. 2000. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2000/prt0569_01_06_2000_ rep.html>. Acesso em: 23 jan. 2021.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; MARQUES, Stanley Souza. Contribuições para uma reconstrução crítica da gramática moderna da maternidade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n.º 2, 2020, p. 1-16. DOI: 10.1590/1806-9584-2020v28n168037. Disponível em: . Acesso em: 04 mai. 2020.

CECHIN, Petrolina Libana. Reflexões sobre o resgate do parto natural na era da tecnologia. Rev. Bras. Enferm., Brasília, v. 55, n.º 4, p. 444-8, jul./ago. 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/reben/v55n4/v55n4a15.pdf>. Acesso em: 04 out. 2020.

DINIZ, Simone Grilo et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Journal of Human Growth and Development, v. 25, n. 3, 2015. p. 1-8. DOI: <http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080>. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v25n3/pt_19.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2019.

DINIZ, Simone Grilo et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Journal of Human Growth and Development, v. 25, n. 3, 2015. p. 1-8. DOI: <http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080>. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v25n3/pt_19.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2019.

DINIZ, Simone Grilo. Entre a técnica e os direitos humanos: possibilidades e limites da humanização da assistência ao parto. 2001. Tese de Doutorado (Medicina), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2001.

DINIZ, Simone Grilo. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal. Rev. bras. crescimento desenvolv. hum., São Paulo, v. 19, n. 2, p. 313-326, ago. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822009000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 28 mai. 2021.

DINIZ, Simone Grilo. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 10 (3): 627-637, jul. / set., 2005. DOI: <https://doi.org/10.1590/S141381232005000300019>. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232005000300019&script=sci_arttext>. Acesso em: 11 mar. 2020.

DINIZ, Simone Grilo; CHACHAM, Alessandra S. O “corte por cima” e o “corte por baixo”: o abuso de cesáreas e episiotomias em São Paulo. Questões de Saúde Reprodutiva, v. 1, n. 1, pp. 80-91, 2006. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1044924/mod_resource/content/1/O%20%E2%80%9Ccorte%20por%20cima%E2%80%9D%20e%20 o%20%E2%80%9Ccorte%20por%20baixo%E2%80%9D.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2019.

DINIZ, Simone Grilo; DUARTE, Ana Cristina. Parto normal ou cesárea? O que toda mulher deve saber (e todo homem também). São Paulo: Editora UNESP, 2004. 179p.

DINIZ, Simone Grilo et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Journal of Human Growth and Development, v. 25, n. 3, 2015. p. 1-8. DOI: <http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080>. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v25n3/pt_19.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2019.

DINIZ, Simone Grilo; CHACHAM, Alessandra S. O “corte por cima” e o “corte por baixo”: o abuso de cesáreas e episiotomias em São Paulo. Questões de Saúde Reprodutiva, v. 1, n. 1, pp. 80-91, 2006. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1044924/mod_resource/content/1/O%20%E2%80%9Ccorte%20por%20cima%E2%80%9D%20e%20 o%20%E2%80%9Ccorte%20por%20baixo%E2%80%9D.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2019.

DINIZ, Simone Grilo; DUARTE, Ana Cristina. Parto normal ou cesárea? O que toda mulher deve saber (e todo homem também). São Paulo: Editora UNESP, 2004. 179p.

DINIZ, Simone Grilo. Entre a técnica e os direitos humanos: possibilidades e limites da humanização da assistência ao parto. 2001. Tese de Doutorado (Medicina), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2001.

DINIZ, Simone Grilo. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 10 (3): 627-637, jul. / set., 2005. DOI: <https://doi.org/10.1590/S141381232005000300019>. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232005000300019&script=sci_arttext>. Acesso em: 11 mar. 2020.

DOMINGUES, Rosa Maria Soares Madeira et al. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 30, supl. 1, p. 101-116, 2014. DOI: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00105113>. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102=311-2014001300017X&lng=en&nrmiso>. Acesso em: 27 set. 2020.

FEBRASGO. Recomendações Febrasgo parte II - Episiotomia. 2018. Disponível em: <https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/715-recomendacoes-febrasgo-parte-ii-episiotomia>. Acesso em: 25 fev. 2021.

FEINBERG, Joel. Harm to Self. The moral limits of Criminal Law. Vol. 3. New York: Oxford University Press, 1986.

GRECO, Luís; SIQUEIRA, Flávia. Promoção da saúde ou respeito à autonomia? Intervenção cirúrgica, exercício de direito e consentimento no direito penal médico. Studia Juridica. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade (vol 1), v. 108, p. 643-669, 2017.

LANSKY, Sônia et al. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cadernos de Saúde Pública, v. 30, p. S192–S207, 2014.

LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 33, supl. 1, p. 1-17, 2017. DOI: <https://doi.org/10.1590/0102-311x00078816>. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2017001305004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 11 mar. 2020.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. 2014. Disponível em: <https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134588/ WHO_RHR_14.23_por.pdf;jsessionid=A88B77D2A41591854AC-39C7962A64E85?sequence=3>. Acesso em 03 abr. 2020.

PALHARINI, Luciana Aparecida. Autonomia para quem? O discurso médico hegemônico sobre a violencia obstétrica no Brasil. Cad. Pagu, Campinas, n.º 49, e174907, p. 1-37, 2017. DOI: <https://doi.org/10.1590/18094449201700490 007>. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332017000100307&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24 set. 2020.

PEREIRA, Afonso Celso et al. Iatrogenia em cardiologia. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 75, n. 1, p. 75–78, jul. 2000.

PIMENTEL, Camila et al. Autonomia, risco e sexualidade. A humanização do parto como possibilidade de redefinições descoloniais acerca da noção de sujeito. REALIS, Recife, v.4, n.º 01, p. 166-85, jan-jun. 2014 – ISSN 21797501. Disponível em: <https://periodicos.ufpe.br/revistas/realis/article/ view/8813>. Acesso em: 18 out. 2020.

RATTNER, Daphne. Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 13, supl. 1, p. 595-602, 2009. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/icse/v13s1/a11v13s1.pdf>. Acesso em: 04 out. 2020.

SADECK, Ana Carolina Silveira Vasconcelos. Cesárea a pedido: direito à autodeterminação da gestante e violência obstétrica. Artigo científico apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais (FAJS) do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, 2020. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2020.

SÃO PAULO (Estado). Projeto de Lei n.º 435, de 2019. Garante à gestante a possibilidade de optar pelo parto cesariano, a partir da trigésima nona semana de gestação, bem como a analgesia, mesmo quando escolhido o parto normal. São Paulo, SP, 10 abr. 2019. Disponível em <https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000262934>. Acesso em: 21 jul. 2019.

SIQUEIRA, Flávia. Autonomia, consentimento e direito penal da medicina. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2019.

SIQUEIRA, Flávia. O paradigma de respeito à autonomia do paciente e suas implicações no Direito Penal da Medicina: em especial sobre a ilegitimidade das intervenções médicas arbitrárias. In: ESTELLITA, Heloísa; SIQUEIRA, Flávia. Direito penal da medicina. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2020, p. 19-53.

TESSER, Charles Dalcanale et al. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comunidade, 10 (35):1-12, 2015. DOI: <http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1013>. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2020.

VILLAR, José et al. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. The Lancet, v. 367, n. 9525, p. 1819–1829, 2006.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Appropriate Technology for Birth. The Lancet, vol. 326, n.º 8452 (ii), p. 436-7, 24 ago. 1985. DOI: . Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/appropriate-technology-for-birth-who/>. Acesso em: 22 jul. 2019.

ZIMMERMAN, Frank. Punibilidad por asistencia terapéutica en el parto? Protección y límites del derecho de autodeterminación de la embarazada durante el parto. In: KUDLICH, Hans. MONTIEL, Juan Pablo. GIMENO,Íñigo Ortiz de Urbina (Orgs.). Cuestiones actuales del Derecho Penal Médico. Madrid: Marcial Pons, 2017, p. 81-108.

Downloads

Publicado

17-07-2021

Como Citar

BRASILEIRO, A. C. M. .; PEREIRA, F. A. . Cesarianas eletivas no Brasil: exercício ou negação da autonomia das pacientes?. Revista do Instituto de Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 185–222, 2021. DOI: 10.46274/1909-192XRICP2021v6n1p185-221. Disponível em: https://ricp.org.br./index.php/revista/article/view/42. Acesso em: 21 nov. 2024.

Edição

Seção

Artigos